25/09/2003

A quem não tem já não lhe nasce

Sempre gostei de ler. Ainda miuda, devorei todos os livros de Agatha Christie a que consegui deitar a mão ou seja, quase todos, porque o meu padrinho tinha toda a colecção Vampiro. Apesar de admirar o inimitável Poirot, de me divertir com o Tommy e a Tuppence, sempre foi da Miss Marple que mais gostei. Solucionava os casos utilizando apenas o seu conhecimento da "natureza humana". Mais do que mera coscuvilheira, era a constante análise da natureza humana que a fazia tomar atenção aos outros.
Quando comecei a ter os meus primeiros namoros, as coisas nunca corriam lá muito bem. A paixão era enorme, o amor estava condenado a ser eterno, e depois, para grande infelicidade minha, os pobres moços não mudavam aquela maneira de falar, aquele jeito de agarrar, aquela forma de pensar isto ou aquilo. Depois de sete anos com o pai do Pedro, finalmente compreendi algo. Ninguém muda a sua essência ao longo da vida. Por vezes conseguimos modificar certos comportamentos, certas atitudes, mas sem que o consigamos fazer perante todos a todo o tempo.
Com base neste pressuposto, nesta fantástica descoberta, passei a encarar as minhas relações com os outros de outra maneira. Ao conhecer uma pessoa, que agradava por este ou aquele motivo, havia que procurar as suas caracteristicas que fossem incompatíveis com as minhas. Depois destas estarem detectadas, eram sujeitas ao "teste do grau de incompatibilidade", ou seja, eu determinava até que ponto me seria possivel a mim conviver com tais características. Porque eu também não mudo, esta possibilidade de convivência sempre foi aferida com base na minha capacidade de adaptação ao que me rodeia. E nisto somos como os elásticos, temos limites até onde conseguimos esticar.
Errare humanum est. Confiei demasiado na minha elasticidade, nessa forma de inteligência que é a adaptabilidade. Ao fim de três anos começa a tornar-se dificil suportar o desprendimento com que o Artur lida com o mundo, ou o tempo que lhe demora a manifestar a sua preocupação para com os outros. Para comigo, que com o mal dos outros fico eu bem. Talvez a culpa seja minha, que sempre tive costas largas para tudo e sempre dei a entender que não precisava de ninguém e que aguentava este mundo e o outro. Mas quero lá saber se a culpa é minha ou não, quando a cabeça me doi e ele fica a trabalhar até altas horas da noite para as senhoras que só nos aumentam as dores de cabeça por não lhe pagarem, quando ele me grita por uma ninharia, quando as suas demonstrações de preocupação se centram exclusivamente no trabalho.
Não bastava sabermo-nos amados. Temos de nos sentir amados. E isso não passa apenas por bom sexo e por um grande auxilio nas tarefas domésticas (às vezes até sem que lho peça). Mas ele não muda, é mesmo assim, já era assim quando o conheci e foi assim que o aprendi a amar.
Por isso não liguem a este post, que mais não é que um desabafo, depois de uma noite de sono passada entre algumas lágrimas de frustração porque ele foi o unico que não telefonou a perguntar o que o médico tinha dito e outras de alívio porque finalmente tenho em casa os comprimidos que vão acabar com a dor de cabeça. Que ainda cá está e que ainda não me deixa pensar como deve ser.