16/12/2003

O meu avô

11:11h - Toca o telemóvel. É a minha mãe "Vou agora para Santarém que o teu avô foi para o hospital. Telefona à tua tia a avisar, eu quando souber mais coisas telefono, a tua irmã já o foi ver e diz que ele está um bocado atrapalhado, mas logo se vê, eu depois telefono".
Demorei um bocado a telefonar à minha tia. Pela memória passaram todas as recordações que tenho dele e são muitas. Com a voz mais segura, lá avisei a filha mais nova do meu avô de que o pai está hospitalizado. "São só complicações respiratórias por causa da constipação, não te enerves mais do que é preciso", digo eu como se isso fosse fazer alguma diferença.
O meu avô tem oitenta e oito anos, feitos no dia 29 do mês passado. Teve uma trombose em 1976, perdeu grande parte do controlo de todo o seu lado direito. No dia em que eu fiz 25 anos tentou desistir de andar. Fui lá e não o deixei. Há dois anos deixou de ter força para o fazer. A minha avó já não conseguia tratar dele, acamado, e foi para um lar lá na terra, de excelentes condições. Visitá-lo é para mim uma dor enorme. Principalmente quando está lúcido e consciente de que está num lar, sem controlar as funções mais básicas do seu corpo e sem conseguir verbalizar aquilo que pensa.
Amo o meu avô, e sei que em algum lado do cérebro dele eu continuo a ser a sua favorita, o único bebé a quem ele mudou fraldas, a única neta que se sentava ao lado dele nas férias a tentar ensiná-lo a escrever com a mão esquerda, a ajudá-lo na ginástica que diariamente fazia com a mão direita, enquanto não perdeu a esperança de que um dia as dores passassem e que voltasse a ser o Zé que queria voltar a ser.
Vai tudo correr bem. Vamos todos passar o Natal juntos mais uma vez.