Quando decidi que era altura para o fazer, comprei uma casinha pequenina. Era o 1.º andar, letra D, de um prédio com muitos anos. Há quase tantos anos quantos o prédio tinha, morava no 1.º andar, letra C, a familia Lopes, de origens alentejanas. Zé, pai, trabalhador dos SMAS da zona; Tita, mãe, doméstica e Sandra, filha, professora primária. Traços fundamentais da familia Lopes: o pai é um homem de grande educação, de coração enorme, sem paciência para quem não presta e que adora petiscos e copos, em volta dos quais suspira(va!) pelo desejo de ter um neto; a mãe está em casa para cuidar da familia (a mãe dela, acamada há alguns anos, também integra o agregado familiar, mas por efeitos de um AVC grave mal fala sequer), dedica-se de forma quase cientifica à arte da coscuvilhice, falta-lhe o bom fundo que o pai tem sem deixar de ser generosa (numa perspectiva "toma o chouriço, que depois me darás o porco") e suspira(va!) por um neto; quanto à filha, mimada em excesso toda a vida, passa o tempo entre a escola e a casa, não escolhe da melhor forma as companhias e por isso tem inumeras desilusões nos seus relacionamentos, nenhum dos quais envolvendo riscos de a tornar mulher autónoma e com vida própria, porque isso ia dar muito trabalho, coisa que em casa não tem porque a mãe não deixa, não lhe passando pela cabeça alguma vez dar um neto aos pais.
Acolheram-me de braços abertos ao prédio. O Zé encontrou em mim aquilo que gostaria de ver na filha e foi amor à primeira vista. A mãe alinhou pela fonte de novas informações que eu era. A filha porque achou que eu ainda podia passar pelo papel de sua irmã mais velha e porque eu tinha histórias de amores para partilhar, escusando ela de as viver.
Quando engravidei, toda a familia rejubilou. Eu estava sózinha, precisava de apoio, eles já me tinham acolhido na familia e o sonho dos pais tornava-se realidade: o mais parecido com um neto que teriam na vida vinha a caminho!!!
O Pedro nasceu a 19 de Agosto. E nasceu com problemas de saúde. Esteve internado três semanas no Hospital da Estefânia antes de ir para casa. Gozei a licença de parto entre a casa e o hospital. A familia Lopes foi vivendo todas as angustias, todos os sobressaltos, todas as alegrias dos dias bons comigo. Quando tudo estabilizou, quando voltei ao trabalho, todos eles sabiam bem como lidar com o Pedro, como tratá-lo. A paciência deles foi infinita para o alimentar, que ele aos quatro meses deixou de gostar de comer; para o aliviar das dificuldades respiratórias, que ele andou dois anos fora e dentro da fisioterapia; para lhe acalmar o choro e recolher a hérnia à qual foi operado com cinco meses. Fui "proibida" de procurar uma ama, a Tita ficou com ele. Há coisas que nunca se conseguem "pagar" na vida, e essa é a minha maior dívida - o poder sair para trabalhar apenas com medo de o deixar, mas sem pânico, por saber que o Pedro estava com quem o conhecia, o amava e dele sabia cuidar.
Dois anos depois a Tita cansou-se e o Pedro foi para uma creche familiar, gerida pela mesma instituição onde agora frequenta o infantário. A família Lopes faz parte das nossas vidas, são mais um ramo da nossa própria familia. São visita obrigatória sempre que possível, vão buscar o Pedro frequentemente ao infantário, ficam com ele sempre que eu quero ou preciso ou apenas pelo prazer que o Pedro tem de lá ficar, a dormir de sexta para sábado e a recarregar a bateria do mimo.
Como estou a trabalhar, ficará para outra ocasião o menos bom desta história. Até porque hoje me custa lembrá-lo, que ainda tenho água na boca do queijo e das azeitonas que me trouxeram do Alentejo que no domingo visitaram, por lhes ser impossível lá irem e não me trazerem a mim também um mimo. Mesmo quando o Pedro está de férias com o pai, e por isso chamarem-me à sua casa para me entregar tais vitualhas não é apenas um pretexto para verem o sol das suas vidas.